02 março, 2011

Entrevista com Antonio Luiz M.C.Costa.





Publicado pela Editora Draco, Crônicas de Atlântida, livro de Antonio Luiz M. C. Costa, é uma jornada épica pelo mundo dos deuses. Em uma entrevista exclusiva ao danielemoreira.blogspot Antonio Luiz nos conta um pouco sobre seu trabalho e sua trajetória.

De onde veio a ideia inicial de Crônicas de Atlântida?

Meus motivos são parecidos com os de China Miéville ao escrever Perdido Street Station, embora só tenha descoberto seus artigos e entrevistas sobre o assunto depois que meu trabalho já estava quase pronto. Como ele, eu fiquei fascinado com a construção sistemática e minuciosa do mundo imaginário da Terra Média nos romances de Tolkien, mas não gostei do tom machista, conservador e conformista dos seus livros. Quis criar um mundo igualmente rico de fantasia épica, mas ambientar nele uma história de tom feminista, progressista e rebelde. Além disso – preocupação que Miéville não tinha – queria me afastar da Europa como modelo, criando um mundo tropical e sensual a partir de elementos de culturas das Américas, África e Ásia. Por essa e por outras razões, meu mundo resultou bem diferente do New Weird de Miéville. Por um lado, suponho que parece menos “estranho”, porque é baseado mais em mitos culturais e menos na imaginação pessoal. Por outro, meu tom é mais alegre e otimista.

Conte um pouco do seu trabalho na revista Carta Capital e como ele influenciou no desenvolvimento do seu livro.

O romance lida muito com temas com que eu trabalho na revista, como questões de história, cultura, economia e política internacional. Mesmo tratando-se de fantasia mágica, procurei descrever uma sociedade razoavelmente realista, com costumes e tradições coerentes e conflitos políticos plausíveis, aproveitando muito do que eu aprendi sobre ciências sociais na academia, na vida e na cobertura jornalística desses temas. Além disso, é claro que a prática constante na revista ajuda muito a escrever de forma clara, densa e concisa também na ficção.

Quando começou a trabalhar na idéia principal de Crônicas de Atlântida, foi possível se manter na mesma linha de raciocínio, ou a história foi tomando seus próprios caminhos?

Não tive um plano detalhado do enredo desde o início. Imaginei a situação política e cultural, os personagens principais e os soltei no mundo, tentando me pôr na pele deles e imaginar o que eles, sendo quem são, fariam ao se defrontar com os eventos e a realidade que preparei, sem ter um roteiro predeterminado. Eles foram improvisando a história à sua maneira, por assim dizer.

A ilustração de capa do livro também não deixa nada a desejar à história, como ela foi elaborada?
Quem a criou foi o Erick Santos, tanto editor quanto ilustrador. Representa uma cena próxima do final, um enfrentamento entre a deusa atlante Chiuknawat e o deus agarti Mavrit, representando-os com os tipos físicos e trajes que imaginei, tendo ao fundo uma estilização de Atlântis. O estilo imita a arte mural da civilização minoica da ilha de Creta, porque esta foi frequentemente associada à Atlântida por vários autores, porque tem o tom exótico e sensual que eu queria dar à história e porque a arte mural é importante também na civilização que eu imaginei.

E os seus personagens mais marcantes, Tiakat, Tjurmyen e Sistu, você tem algum preferido? Alguém em sua vida influenciou na criação de algum deles?

Nenhum deles é baseado em alguma pessoa real: todos eles foram criados a partir de pedaços de pessoas que conheci na ficção ou na vida real (inclusive eu mesmo). Eu fiz o possível para tornar os três interessantes e lhes dar funções igualmente importantes, mas acredito que Tjurmyen, ao fim das contas, se revelou a melhor personagem.

E o contato com os fãs? Você costuma manter contato com os seus leitores? Como é conhecer a opinião de quem admira o universo de Kishar?
Olhe, várias pessoas me ajudaram lendo trechos ou leram versões anteriores, mas com a preocupação de criticar, procurar erros e dar sugestões. A versão final, que até agora só foi vista por mim mesmo e pelo editor e pelos revisores, sempre de maneira profissional. Tudo isso para dizer que estou ansioso por saber a opinião de leitores que comprem ou ganhem o livro simplesmente para se entreter e saber se eles realmente admiram a obra e o universo que imagine.

Ter seu próprio livro é um sonho antigo ou uma surpresa do destino?

O livro é um projeto que começou a ser concebido há uns dez anos e a ser escrito há seis ou sete anos, embora meu interesse pelo mito de Atlântida e minhas fantasias sobre como ela seria venham desde a infância. Não teve nenhuma surpresa, apenas minha vontade, meu esforço e a oportunidade dada por um emprego estável e uma companheira amorosa que me deram o tempo e a tranquilidade para desenvolvê-lo.

Fale um pouquinho sobre Crônicas de Atlântida, a Enciclopédia, que relata todos os detalhes do universo de Kishar.

Ao criar o mundo de Crônicas de Atlântida, pus nele muitas coisas interessantes que não puderam ser citadas no romance, ou o foram só de passagem e com poucas explicações. No início, pensei em incluir apêndices detalhados, como os do final de O Senhor dos Anéis, mas depois achei que o livro ficaria sobrecarregado e ainda assim não conseguiria mostrar tudo que tinha criado. Resolvi então fazer isso numa enciclopédia virtual, que na verdade é maior que o próprio livro: tem mais de 700 páginas.

Quem é Antonio Luiz M. C. Costa?

É principalmente alguém que se esforça por viver de maneira a fazer só aquilo em que realmente acredita e acreditar naquilo que faz.

Como foi o trabalho de pesquisa feito para compor os cenários e personagens das Crônicas?

Eu tenho certa familiaridade com os fundamentos desse cenário desde muito cedo, devido à curiosidade sobre o mito da Atlântida que me foi despertada por uma avó que acreditava em teosofia e esoterismo. A pesquisa consistiu em procurar mais detalhes da lenda e refinar esse cenário, preenchendo os vazios com elementos de história, linguística, cultura e antropologia tirados da realidade de povos não-europeus.

Você tem planos para um próximo trabalho? Conte-nos um pouco sobre esses planos.

Tenho dois contos prontos e encaminhados para duas coletâneas em andamento da Draco. Um deles é uma fantasia urbana ambientada no mundo de “Crônicas de Atlântida”. Outro é de caráter dieselpunk, em um mundo que eu chamo de “Mundo dos Outros 500”, uma realidade alternativa na qual a história do Brasil toma rumos ainda mais estranhos do que no samba do Sérgio Porto (à qual também pertence meu conto que saiu na coletânea “Steampunk” da Tarja Editorial). Tenho ainda contos de fantasia “avulsos”, como os que foram publicados na antologia “Eclipse ao pôr do sol” e noveletas de ficção científica que possivelmente resultarão em uma nova antologia, ainda sem nome. Depois disso, trata-se de avaliar a recepção de “Crônicas de Atlântida”: se fizer sucesso, vou pensar numa continuação, ou em outro romance no mesmo universo. Se não, vou me concentrar em um romance no mundo dos “Outros 500”, que comecei a escrever.

Quais são os escritores e obras que você mais admira, que te inspiraram a escrever também?
São muitos, mas nenhum que eu possa identificar como uma influência predominante no livro. Há um toque de Petrônio do Satyricon, do Jorge Amado da segunda fase (Dona Flor e seus Dois Maridos, por exemplo), das Mil e Uma Noites, de contos tradicionais chineses e de outras obras de tom sensual e picaresco e ao mesmo tempo há um olhar crítico e irônico que vem de obras de Marx, Brecht e Nietzsche, sem esquecer de Platão, o verdadeiro “pai” de Atlântida. E é preciso citar também as influências invertidas, por assim dizer, dos teósofos que escreveram sobre o continente perdido e de J. R. R. Tolkien, que de maneira ingrata e impiedosa virei de cabeça para baixo.

Quem foram as pessoas que te apoiaram na sua trajetória até a realização de Crônicas de Atlântida?

As muitas pessoas que me ajudaram a criar o livro propriamente dito com suas críticas e sugestões são citadas nos agradecimentos. Vale destacar entre elas o escritor Roberto Causo, que deu as primeiras e mais valiosas orientações, quando o livro ainda estava em embrião. Igualmente importante foi o Erick Santos, que além de ler, criticar, editar o livro e criar uma capa excelente, cobrou no final acréscimos que resultaram em cinco capítulos adicionais que, creio eu, deixaram o livro muito melhor.

E o que você gostaria de dizer aos seus leitores?

Que espero que gostem e se divirtam muito com o livro e que ele também os faça pensar, mas que estou muito interessado em saber sua opinião, seja qual for.

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